O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luiz Alberto Gurgel de Faria, protagonizou o 6º painel do Seminário Multidisciplinar Internacional do Agronegócio com uma análise profunda e atual do tema “Cooperativismo no Agronegócio: Aspectos Jurídicos e Impactos Econômicos”. Em sua apresentação, nesta sexta-feira (23/05), o magistrado destacou o papel estratégico das cooperativas como ferramentas de fortalecimento da produção rural, ao mesmo tempo em que abordou os avanços legais e constitucionais que sustentam e desafiam o modelo cooperativo no Brasil. O seminário é uma realização da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), com apoio da Esmagis-MT, Fiemt, Fecomércio-MT, OAB-MT e ESA-MT.

O painel foi presidido pela desembargadora Serly Marcondes, que ressaltou, em sua fala, a importância do diálogo institucional em torno do cooperativismo. “Mato Grosso é um estado com forte presença de cooperativas no campo e nas cidades. Discutir os aspectos jurídicos e os impactos econômicos desse modelo é essencial para garantir segurança jurídica, estimular boas práticas e fomentar um ambiente saudável para o crescimento do setor. O debate é oportuno e necessário para alinhar o olhar do Judiciário às demandas do setor produtivo”, pontuou.
Participaram como debatedores o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Welder Queiroz, e a produtora rural e presidente do Sindicato Rural de Jaciara, Juliana Bortolini. Em sua intervenção, Juliana ressaltou que o tema do cooperativismo está diretamente ligado ao seu cotidiano e ao do produtor rural. “Sou cooperativista e posso falar sobre o que meu marido e eu vivenciamos. Para nós, produtores e para o setor produtivo como um todo, o fortalecimento do cooperativismo é sinônimo de desenvolvimento, pertencimento e eficiência econômica. Mas, para isso, nós, cooperados, precisamos participar mais das nossas cooperativas. Nelas encontramos suporte técnico, acesso a insumos, crédito, comercialização da produção e representatividade”, afirmou Juliana.

“É uma honra participar deste seminário, que trata de um tema de extrema relevância para o setor agropecuário. O cooperativismo, ao articular esforços coletivos em torno da produção e da comercialização, desempenha um papel estratégico no desenvolvimento rural. A realização deste evento pela Famato demonstra sua liderança e representatividade no fortalecimento de pautas estruturantes para o agro mato-grossense e nacional”, destacou o professor Welder Queiroz.
Ao iniciar sua explanação, Gurgel de Faria recorreu à literatura econômica para justificar a existência das cooperativas agropecuárias: “Sua habilidade de engendrar economias de escala, acessar mercados internacionais, reduzir custos por meio da integração vertical e diminuir riscos por ações conjuntas é o que as torna essenciais”, apontou.
Além disso, as cooperativas proporcionam acesso a tecnologias e insumos por meio de assistência técnica e fortalecem o poder de barganha dos cooperados. Esses elementos tornam o modelo altamente eficiente: 48% da produção do campo brasileiro passa por cooperativas, segundo o IBGE, o que evidencia sua relevância.
No contexto global, existem 2,6 milhões de cooperativas, que geram cerca de 250 milhões de empregos e beneficiam diretamente mais de 1 bilhão de pessoas.
Gurgel de Faria enfatizou a centralidade do ato cooperativo como núcleo da identidade jurídica das cooperativas. Com base no artigo 79 da Lei 5.764/1971, explicou que esses atos não configuram operações de mercado nem contratos de compra e venda — um diferencial jurídico fundamental.
“Quando um cooperado entrega sua produção à cooperativa, não há uma operação de mercado, mas sim um ato de autogestão coletiva”.

O ministro abordou os diversos dispositivos da Constituição Federal que garantem proteção e estímulo ao cooperativismo, como os artigos 5º, 174, 187 e 146. “O desafio, no entanto, está em harmonizar essa proteção com sistemas tributários pensados para empresas convencionais. A distância entre o simbólico e o efetivo ainda é um obstáculo”, alertou.
Avanços recentes, como a Lei Complementar nº 214/2025 e a reforma tributária, são, segundo ele, “passos concretos na direção da efetivação do projeto constitucional cooperativista”.
Em relação à tributação, o ministro destacou a interpretação do STF no Recurso Extraordinário 599.362/RJ: o ato cooperativo não está imune à tributação, mas deve receber tratamento adequado, não privilegiado. Isso significa reconhecer as peculiaridades do modelo, sem distorções que o prejudiquem.
A neutralidade fiscal, reforçou Gurgel, é essencial: “Um cooperado não pode ser penalizado tributariamente por atuar dentro de uma cooperativa. Se um produtor rural, pessoa física, tem isenção, ela deve ser mantida mesmo quando ele opera via cooperativa”, explicou.
Com a entrada em vigor da LC 214/2025, as cooperativas passaram a contar com um regime específico de IBS e CBS, com destaque para a alíquota zero nas operações entre cooperativas e associados (art. 271). O ministro exemplificou com a entrega de soja por um cooperado à sua cooperativa e o fornecimento de insumos agrícolas por esta ao associado — ambas operações isentas.
Outro destaque foi o sistema inovador de transferência de créditos tributários (art. 272), que permite aos cooperados transferirem à cooperativa os créditos gerados na aquisição de insumos utilizados na produção. “Trata-se de uma medida de justiça fiscal que aumenta a competitividade do agro brasileiro”, apontou.
Encerrando sua apresentação, Gurgel de Faria afirmou que o cooperativismo se consolida como vetor de inclusão, produtividade e sustentabilidade no agronegócio. “Mais do que um modelo econômico, trata-se de um compromisso constitucional com a justiça econômica, a solidariedade e a eficiência produtiva”.