Por Alysson Paolinelli*
Tenho frequentemente visitado o estado do Mato Grosso nestes últimos meses, hora sozinho, hora com o nosso presidente da Famato, Rui Prado, e integrantes de sua equipe, com muita honra. Confesso que para mim, a esta altura da minha vida, tem sido, além de um lenitivo, um motivo uma incontida alegria. Diria mais, uma verdadeira injeção de cânfora, direto em minhas veias que me fazem estremecer o corpo e a alma. Rejuvenesce-me. Naturalmente que me provoca profundas emoções quando visito áreas que na década de 70 eu visitava embalando um sonho de ver ali um dia um novo mundo ocupado por gente competente que transformaria uma área a aquela época inóspita, terra degradada que servia apenas para fazer distâncias. Um imenso vazio do território nacional. Para visitá-la eu ia de avião até Cuiabá ou Vilhena, à entrada de Rondônia, onde tomava um helicóptero que, para melhor desempenhar sua missão, tinha de ter apoio de um caminhão com combustíveis pelo solo, e, como não tinham estradas, às vezes, saía três dias ou mais dias antes de nós para nos apoiar na verdadeira aventura que fazíamos naquela imensidão vazia.
O Brasil àquela época era um grande importador de alimentos. A metade da população que vivia no campo não era capaz de alimentar a outra metade que foi para a cidade em busca de melhores condições de vida. Um terço do que comíamos vinha de fora a preços caríssimos e quando aqui chegava ainda sofria de tremenda especulação num mercado demandador, elevando até o preço dos alimentos que aqui produzíamos. A população brasileira chegava a gastar de 42% a 48% de toda a sua renda familiar só em alimentação. Era demais. Todo o esforço que se fazia era destruído pelo preço da alimentação. Para quem gasta quase a metade de sua renda em alimentação, não sobra dinheiro para a vestimenta, o transporte, a moradia, a saúde, a educação, o lazer. Embora o país tivesse recursos provindos da Conta Café para pagar a obsolescência de nossa iniciante indústria e a importação de alimentos, isto não significava alívio no bolso do consumidor brasileiro, que continuava gastando quase a metade do que ganhava só em alimentação.
Quando, em 1972, vem a famosa Crise do Petróleo, que passa em menos de uma semana de três para 11 dólares o barril, e o Brasil importava 80% do petróleo que consumia, a Conta Café não dava mais para cobrir as nossas contas negativas. Tinha de se fazer alguma coisa, pois em pouco tempo estaríamos “quebrados” e o país, desacreditado. Sem a indústria, embora deficitária, o desemprego seria geral. Sem o petróleo o país pararia. Sem alimentação ninguém sobrevive. Este era o desafio. Optamos pela rápida ocupação do nosso território, ocupando os nossos biomas, onde haveríamos de encontrar soluções tecnológicas e científicas para tirar dali o que mais necessitávamos, os alimentos, procurando manejá-los sem degradar os seus recursos naturais, isto é, o solo, a água, as plantas, os animais.
Daí o surgimento da Embrapa e das 17 empresas estaduais de pesquisas, as nossas universidades e a iniciativa privada, que se uniram no Programa Nacional Integrado de Pesquisas Agropecuárias, que deu não só ao Brasil, mas ao mundo, a primeira agricultura tropical competitiva e sustentável que todos hoje reconhecem. Bastou que indicássemos as inovações criadas, que o produtor brasileiro, com sua coragem, fibra e determinação, foi capaz de transformar os vazios ou terras de fazer longe em campos produtivos que hoje abastecem o mundo. Mesmo que quem faça isso seja apenas cerca de 15% da população que vive no meio rural.
É bom que se realce que foi graças à capacidade e à competência dos nossos pesquisadores, extensionistas e produtores, que foram capazes de multiplicar a nossa produtividade e, por meio dela, transferiram aos consumidores os benefícios dos preços dos alimentos, que chegaram a cair 70% em menos de 20 anos. E, hoje, a população brasileira não gasta mais do que 13,6% de sua renda em alimentação e, com isso, pode participar efetivamente dos benefícios de uma verdadeira inclusão social.
Confesso que me emociono ao ver o Mato Grosso de hoje. Foi uma longa noite de sono, mas que Deus me deu vida e força para retornar naquela, antes, solidão, hoje maior trincheira de luta, que, mesmo com tremendas dificuldades, se transforma num dos maiores celeiros do mundo. Façam como eu. Visitem o Mato Grosso e se sintam muito mais brasileiros.
*Engenheiro agrônomo, produtor e ex-ministro da Agricultura