A securitizadora Octante publicou nesta semana, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o aviso da primeira oferta pública de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), baseada na emissão de 285 títulos de R$ 300 mil (R$ 85,5 milhões, no total): algo inédito. Por trás da operação, empresas produtoras de soja estão buscando financiamento para a safra de 2013/2014.
Especialistas em finanças e agronegócios consultados pelo DCI avaliaram o movimento como um marco para o setor: devido às limitações das tradicionais linhas de crédito rural, a "sopa de letrinhas" financeira, isto é, as ações lastreadas na produção agrícola, oferecem ao campo a diversificação – considerada "necessária" – do financiamento.
"O agronegócio tem uma necessidade de crédito enorme, precisa de linhas sem limites. O crédito rural é limitado, mas o setor tem que ser alavancado", analisou uma fonte.
Na semana passada, em evento da bolsa, o diretor de Produtos da BM&FBovespa, Marcelo Maziero, afirmou que um volume financeiro dez vezes maior do que o valor físico da produção agrícola corresponde, no mundo, às safras reais. No Brasil, o máximo que já se alavancou foi três vezes a produção de café, de acordo com o mesmo executivo.
Analistas de mercado entendem que, para que o Brasil corresponda às expectativas globais de que é o "celeiro do mundo", o País precisa sustentar investimentos maciços na área produtiva. O discurso se aplica tanto à necessidade de novas formas de financiamento à atividade rural como aos anseios pela quebra do regulamento que restringe a atuação de estrangeiros em terra brasileira.
Período de silêncio
A oferta pública em vigor está em fase de prospecção de investidores. Recebe propostas até meados de junho e se encerra no início de agosto, quando os ativos devem ser liquidados. As empresas envolvidas na operação, como a fabricante de defensivos agrícolas Syngenta e a produtora de commodities Bunge, estão em período de silêncio.
Evolução dos títulos
Embora o negócio promovido pela Octante seja o primeiro do tipo, em se tratando de distribuição pública de CRA, os estoques desse título vêm crescendo aceleradamente no mercado financeiro desde o final de 2008, quando se iniciou a série histórica da Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (Cetip).
Em três anos (de maio de 2009 ao mês passado), o volume em circulação de CRA cresceu de R$ 1 milhão para quase R$ 340 milhões, num salto excepcional. Neste ano, aos estoques têm se acrescido uma média de R$ 3 milhões por mês.
Outros papéis financeiros lastreados na atividade rural também têm apresentado evolução de estoque, de acordo com dados da Cetip. É o caso da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), cujo volume estocado era de R$ 2,1 bilhões em dezembro de 2007, subiu para R$ 13 bilhões no mesmo mês do ano seguinte e chegou a R$ 19,2 bilhões no final de 2011.
"Daqui para frente, o financiamento do agronegócio passa por aí: títulos financeiros", comentou um especialista.
A criação desses títulos data de 2004, quando se legislou sobre as novas formas de crédito agrícola. No mesmo ano, foram criados o Certificado de Direito do Agronegócio (CDA) e o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), além do CRA e da LCA. A grosso modo, os papéis formam, em conjunto, uma estrutura de financiamento para o produtor rural. Na operação da Octante, por exemplo, o CDCA lastreia os CRAs emitidos.
Acessibilidade
Para se ter acesso ao mercado financeiro, contudo, é preciso estar próximo dos centros de negociação, geralmente instalados em regiões cosmopolitas das cidades grandes. Para o pequeno e o médio produtor, portanto, a acessibilidade aos títulos é restrita, restando às tradings e outras empresas do agronegócio (com o pé em escritórios urbanos) o papel de negociá-los.