O Brasil tem potencial para atender a demanda mundial de alimentos. No entanto, o consumo interno nacional cresceu e passou a competir com as exportações. Este foi um dos assuntos debatidos no Agricultural Outlook Forum 2012, em Washington, nos Estados Unidos. O evento, organizado pelo USDA (Departamento Agrícola dos Estados Unidos) e considerado um dos mais importantes da agricultura mundial, contou com a participação do diretor executivo da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Seneri Paludo. Nesta entrevista, ele conta sobre sua palestra, apresentada dia 23 de fevereiro, e os principais temas debatidos no encontro.
FAMATO – O que foi abordado durante a sua palestra, cujo tema era "Como o consumo doméstico interno brasileiro pode afetar o potencial de exportação do Brasil"?
Seneri Paludo – Eu participei de uma palestra sobre o Bric ( sigla que se refere a Brasil, Rússia, Índia, China, que se destacam no cenário mundial como países em desenvolvimento), com representantes do Brasil, Rússia, China e Índia. O grande ponto de incógnita hoje é: o Brasil é capaz de atender a demanda mundial por alimentos? É a pergunta que eu acho que o mundo inteiro faz para nós. O que tentei mostrar para eles é que o Brasil é capaz de atender essa demanda, mas o principal competidor hoje do Brasil não são os Estados Unidos, a Argentina, ou qualquer outro país. O principal competidor hoje do Brasil exportador é o Brasil consumidor. Vivemos hoje uma demanda tão grande do mercado interno brasileiro e uma economia que vem crescendo pelas classes C e D no Brasil que as taxas de demandas do mercado interno crescem mais rápido do que as taxas de demanda do mercado internacional. Então, o que eu tentei passar para eles é que temos potencial e capacidade para aumentar a produção e assim atender as demandas interna e internacional. Mas o principal motor da produção brasileira é a nossa economia interna e não a internacional. E isso é excelente para Mato Grosso do ponto de vista da economia como um todo porque move nossa indústria interna. Do ponto de vista do consumidor também é ótimo, pois temos cada vez mais produtos industrializados dentro do país. Historicamente, no caso específico da soja, a gente sempre tinha um desconto em relação ao preço no mercado internacional, graças a essa força do mercado interno. E, por conta dessa força do mercado interno, a gente tem os preços subindo principalmente ao produtor.
FAMATO – Quais foram os demais temas debatidos no Fórum Outlook?
Seneri Paludo – O Fórum Outlook é um evento que acontece uma vez por ano em Washington, nos Estados Unidos. Lá são debatidos temas internos norte-americanos, como biotecnologia, a Farm Bio (que é a lei norte-americana para agricultura), o futuro dos produtores dos Estados Unidos, mercado de trabalho, e o que está acontecendo na produção agrícola mundial. Neste ano, eles abordaram, principalmente, o que está acontecendo nos mercados emergentes. Os painéis discutidos foram bastante abrangentes, mas muito voltados para o que está acontecendo no mundo também e como vai impactar a agricultura norte-americana.
FAMATO – O que foi tratado sobre a questão do mercado de trabalho?
Seneri Paludo – Nos Estados Unidos um dos principais fatores que tem aumentado o custo de produção é o custo de mão de obra. E isso não é diferente do que está acontecendo no Brasil. Além disso, existe um problema de falta de mão de obra dentro das nas propriedades norte-americanas. E isso está fazendo com que os norte-americanos tenham que investir cada vez mais em tecnologia, aumentar suas escalas de colheitadeira, de plantio, de todas essas operações, para minimizar os impactos dessa escassez trabalhadores nas propriedades. A justificativa para isso é a urbanização da sociedade. Então, cada vez mais é difícil reter essa mão de obra na zona rural.
FAMATO – O que repesenta para a economia mundial a entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC)?
Seneri Paludo – A Rússia foi um ponto muito discutido no evento, pois ela, após 18 anos de conversação, entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC). E essa entrada da Rússia na OMC vai trazer um impacto muito grande. O país consome muito alimento, principalmente no setor de carnes. Os russos criaram regras próprias de comercialização e de tarifas sem se basearem nas regras internacionais. Então, todo mundo acredita que agora, com a entrada da Rússia na OMC, ela vai mudar o padrão ou o perfil de relação de comércio exterior. Então, o país pode aumentar ainda mais o consumo dos produtos de origem vegetal e animal. Isso será bom não apenas para nós, mas para todos os países exportadores. Os Estados Unidos olham para a Rússia como nós ultimamente olhamos para o mercado chinês. A China é um dos países que mais importam nossos produtos agrícolas. E, automaticamente, dentro desse perfil nós podemos ter um grande espaço para crescimento, principalmente nas nossas exportações de carne, seja ela bovina, suína ou de aves.
FAMATO – O que o evento trouxe de informações sobre o etanol de milho produzido nos Estados Unidos?
Seneri Paludo – As indústrias de etanol de milho recebiam um subsídio do governo norte-americano até o final do ano passado por conta de produzir um combustível ecologicamente correto. Esse subsídio caiu no final do ano passado. A queda desses subsídios, somada aos altos preços do mercado de milho, principalmente o norte-americano, tem feito com que as usinas de etanol norte-americanas trabalhem com ponto negativo da balança. E isso significa dizer que, provavelmente, nos próximos meses essas indústrias vão retrair um pouco o seu consumo.
FAMATO – Um dos assuntos sempre polêmicos são os subsídios agrícolas concedidos pelo governo dos Estados Unidos aos produtores rurais norte-americanos. Existe possibilidade de corte desses subsídios?
Seneri Paludo – O que está sendo muito discutido nos Estados Unidos é que nesse momento, pela alta nos preços do mercado mundial, os norte-americanos estão tendo muita pressão, principalmente da população, para cortar esses subsídios. A população acha que não faz sentido essa ajuda para os produtores norte-americanos. E, nesse momento, como os Estados Unidos estão num processo de crise e a economia ainda não está muito boa apesar dos sinais de melhora, discute-se muito seriamente que alguns cortes precisam ser feitos na economia. Todos os ex-ministros de agricultura dos Estados Unidos presentes no evento comentaram que vai haver cortes na Farm Bio e, principalmente, alguns relacionados a subsídios. No entanto, por outro lado, o que temos também é que esses cortes nos subsídios pouco irão ajudar a economia lá, pois todo o orçamento federal para o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) representa apenas 3% do orçamento total federal. Então, não é cortando uma parte dos subsídios ou da receita agrícola da Farm Bio que vai resolver o problema da equação norte-americana de déficit financeiro.