A explosão da música sertaneja nas cidades é reflexo do avanço socioeconômico que ocorreu [e vem ocorrendo] no interior do País, que tem como um dos pilares de desenvolvimento a riqueza proporcionada e multiplicada pelo agro aos demais setores da economia (indústria, comércio e serviços), e consequentemente para a sociedade.
O chamado sertanejo universitário – que se configurou num estrondoso sucesso entre os jovens urbanos – surgiu nas faculdades e repúblicas de estudantes no interior, que registraram forte expansão nos últimos anos, em razão, do crescimento verificado em diversas regiões do País.
A convivência, a troca de influências, o intercâmbio entre os jovens do campo e das cidades resultou nesta nova roupagem da música sertaneja, que rompeu fronteiras, com ídolos do interior, conquistando legiões de fãs nas grandes metrópoles. E, além disso, este surgimento natural do “neo sertanejo” mostrou também que o interior e as cidades têm gostos semelhantes, princípios similares, e estão cada vez mais próximos e parecidos.
Esta é a ideia central da entrevista que o Sou Agro fez com Edvan Antunes, autor do recém-lançado “De Caipira a Universitário – A História do Sucesso da Música Sertaneja” (Matrix Editora, 242 páginas, R$ 39,90). Redator publicitário, Antunes afirma que a força econômica do interior fez a distância entre o campo e as cidades diminuir [algo que continua], e o surgimento do sertanejo universitário é uma das provas disso.
“A fazenda hoje tem TV de última geração, computador, internet, smartphone, DVD”, diz o escritor, também autor de outras obras como “As melhores frases de para-choque de caminhão” e “Como enlouquecer um político”.
Segundo Antunes, a transformação da música sertaneja também teve como fonte inspiradora a modernização do campo. “As universidades foram se espalhando pelo País, promovendo o encontro entre jovens do interior e das cidades, e desta combinação nasceu o sertanejo universitário”, explica. “Com o sertanejo universitário chegando às cidades, foi uma coisa, como um recado do jovem do campo ao seu colega urbano: ‘Olha, eu sou do interior, estou na cidade, e me pareço com você’.”
Hoje, os artistas sertanejos lideram o ranking de direitos autorais, com base em estatísticas do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Cantores e duplas do “neo sertanejo” movimentam milhões de reais em shows, cachês, vendas de álbuns, licenciamento de produtos, viajam em jatinhos particulares e têm milhares de seguidores nas redes sociais.
Na entrevista abaixo, saiba mais sobre este fenômeno cultural, que arrebatou o meio urbano, e sua intrínseca ligação com o que vem acontecendo em termos socioeconômicos no interior do País:
SOU AGRO: Por que você se interessou pelo tema?
EDVAN ANTUNES: Eu queria fazer um livro-reportagem, e como gosto de música e o sertanejo está em destaque, a escolha foi natural. Além disso, no trabalho de pesquisa, antes de escrever, pude constatar em diversas entrevistas que fiz, que o grande público conhece superficialmente a música sertaneja, e isso funcionou como um desafio para mim.
Você tem alguma origem direta do campo?
Sim, sou de Goiânia, capital da música sertaneja e de um Estado com fortes características agro. Frequentei sítios, fazendas, e isso facilitou meu entendimento acerca do tema.
Por que a música sertaneja conquistou o meio urbano?
Um fato importante foi a migração do campo para as cidades há algumas décadas. As pessoas que saíram do interior para as grandes metrópoles levaram consigo o gosto pela música sertaneja. Daí, o contato com o meio urbano gerou uma alquimia no estilo, que foi abandonando a temática estritamente rural para uma abordagem que falava de romantismo, de amor.
Ao mesmo tempo, a sonoridade foi mudando, com instrumentos eletrônicos sendo incorporados às composições, fazendo parceria com a viola e a sanfona. Foi surgindo um sertanejo mais “pop”.
O “divisor de águas” foi em meados de 1982, com a faixa “Fio de Cabelo” da dupla Chitãozinho & Xororó. Esta canção levou o sertanejo para as FMs, a um outro público, que gradativamente foi aceitando o gênero. A partir daí intensificou-se o intercâmbio musical entre o interior e o meio urbano. Gosto de dizer que o sertanejo saiu das seis da manhã e das seis da tarde para ser tocado o dia todo.
Simultaneamente, começou a acontecer uma migração dentro das cidades, com o sertanejo saindo da periferia em direção à zona sul. Grandes ídolos começaram a pipocar, como Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, numa verdadeira “beatlemania” sertaneja. Além disso, no final dos anos 90, as trilhas sonoras das novelas passara a abrir cada vez mais espaço para a música sertaneja.
E como surgiu o gênero universitário?
Surgiu nas faculdades e repúblicas do interior, a partir do convívio cada vez mais acentuado entre os jovens do campo e das cidades. Este intercâmbio resultou numa nova roupagem para o sertanejo, que saiu da temática romântica para uma abordagem de entretenimento, da balada, da festa.
Vale ressaltar que já neste ponto, o jovem do interior também conhecia outras sonoridades, estava antenado com outros estilos, assemelhando-se aos seus colegas urbanos. Com isso, o “neo sertanejo” estourou a partir do ano 2000, e atualmente, muitos artistas do gênero foram universitários.
Este contato com o “neo sertanejo” é um gancho para as pessoas das cidades conhecerem mais o próprio país?
A juventude que já nasceu na cidade está desconectada com a realidade do Brasil. Quando o sertanejo universitário revisita composições clássicas, ele dá oportunidade para o jovem urbano conhecer mais do seu próprio País, a cultura, tradições.
A simpatia, o gosto pela música sertaneja desperta interesse das pessoas das cidades por saberem mais sobre a realidade do campo?
Quem mora na cidade tem alguma ligação com o campo, ou veio de lá, ou tem parente, enfim, alguma coisa tem. O campo não vive sem a cidade e vice-versa, mas algumas pessoas tentam contrariar isso. No entanto, há uma simbiose.
Existe um preconceito no meio urbano. Paira no ar uma falsa impressão que morar na cidade dá mais status, o indivíduo acha que é mais moderno, mas isso é ilusão. O campo é muito moderno, muita gente que vive no interior conhece a cidade, mas o inverso é mais raro de acontecer.
Precisamos unir campo e cidade. As pessoas se esquecem que somos um país agrícola. As mensagens que o sertanejo trouxe, de reconexão com entre o campo e as cidades, isso não se tira mais.